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Mike Hawthorn, o primeiro playboy campeão na Fórmula 1

Dia 324 dos 365 dias mais importantes da história do automobilismo.

Os pilotos de corrida certamente foram os personagens do esporte que sofreram uma das mais profundas transformações no seu perfil. Não bastasse as inovações tecnológicas, os responsáveis por guiar os carros deixaram de lado aqueles excessos e se tornaram muito mais atletas. Claro, ainda há um glamour em torno do esporte a motor, mas é um ambiente mais profissional e bem menos aristocrático.

O estilo de Hawthorn destoava dos pilotos mais profissionais (F1 Corradi)

Sendo assim, uma espécie não muito comum nos dias atuais é a do piloto playboy, aquele que não nega os prazeres da vida e tem o automobilismo como mais um, ainda que seja um grande cabeça de gasolina. Mesmo assim, houve alguns nomes que entraram para a história como grandes nomes da Fórmula 1. O primeiro deles a se consagrar foi John Michael Hawthorn, ou simplesmente Mike Hawthorn.

O piloto inglês nasceu em 10 de abril de 1929, na cidade de Maxborough, filho de Leslie, um preparador de carros de marcas como Riley, Jaguar e Ferrari na Inglaterra. Com a influência do pai, Hawthorn passou a curtir as competições de velocidade, que retornavam as suas atividades após a Segunda Guerra Mundial.

Após ganhar provas nas duas e nas quatro rodas, Hawthorn foi desbravar as grandes categorias do automobilismo, com resultados de destaque, chamando a atenção da direção da Jaguar, que lhe ofereceu uma vaga para disputar provas de turismo em 1952.

Mas essa não seria a única competição do britânico naquele ano. O pai inscreve um Cooper-Bristol para disputar provas do Campeonato Mundial de Pilotos já naquela temporada e Mike logo estava diante daquele mundo fantástico da Fórmula 1, isso com apenas 23 anos.

E o desempenho naquela temporada foi impressionante: um terceiro lugar em Silverstone e dois quartos lugares em Spa-Francorchamps e em Zandvoort, o fizeram terminar em quinto no campeonato de pilotos ao fim do ano. O desempenho chamou a atenção de ninguém menos que Enzo Ferrari e que recrutou aquele jovem loiro para guiar um dos carros vermelhos de Maranello.

Hawthorn não era exatamente um exemplo de piloto profissional: Apesar de focado nas pistas, o pensamento era sempre na festa após a corrida e em saber se sua caneca de cerveja estava cheia. Ainda assim, a sua pose de galã derretia os corações das donzelas que seguiam o circo da velocidade, com o seu estilo desde o comportamento até o vestuário, com sua indefectível gravata borboleta quando não estava trajado para correr.

Ainda assim, o jovem britânico correspondeu na Ferrari, fazendo temporadas bem sólidas em 1953 e 1954. Foram duas vitórias (GP da França de 53, em Reims, e GP da Espanha de 54, em Pedralbes) e, com bastante consistência, um quarto e um terceiro lugar respectivamente.

Com 23 anos, o rapaz já defendia as cores de Maranello (Continental Circus)

Então, veio a temporada de 1955 e um ano com um misto de emoções. Na F1, a temporada foi um desastre. Com um projeto defasado ante ao poderio da Mercedes, o britânico não somou um pontinho sequer na temporada. Em compensação, o trabalho pela Jaguar seguia dando frutos.

O grande momento da carreira veio em Le Mans, com uma vitória categórica nas 24 horas. Infelizmente, essa conquista acabou mascarada por conta dos eventos daquela prova. Afinal, para quem se lembra, a edição de 1955 foi marcada pelo pior acidente da história do automobilismo.

E era justamente Hawthorn um dos envolvidos. O britânico liderava com sua Jaguar, seguido de perto por Juan Manuel Fangio e sua Mercedes. O piloto da Jaguar tinha ultrapassado a Mercedes de Pierre Levegh e a Austin Healey de Lance Macklin, quando guinou o seu bólido bruscamente até os boxes. Macklin tentou desviar do carro de Mike, mas atingiu o de Levegh, que desgovernado bateu na tribuna de honra do autódromo e explodindo instantaneamente. Nada menos que 84 pessoas morreram, incluindo o corredor francês.

Diante da tragédia, a Mercedes se retirou da prova (e do automobilismo por mais de 40 anos). Já Hawthorn, sem ter a dimensão da tragédia, festejou a vitória com a champanhe habitualmente, piorando ainda mais o ambiente.

A vitória em Le Mans, infelizmente ofuscada pela grande tragédia (Rodrigo Mattar)

Depois do período complicado, Hawthorn deixou a Ferrari e disputou provas da temporada seguinte por Maserati e BRM, sem muito brilho. Ainda assim, retornou à Maranello em 1957, agora tendo como companheiro de equipe o compatriota Peter Collins, que viria a ser um grande amigo.

Após fechar o certame em quarto, Hawthorn, Collins e o italiano Luigi Musso tinham em mãos o Ferrari 246 Dino, bólido ferrarista projetado para vencer o campeonato, ante a forte esquadra inglesa que se formara. A principal ameaça era da Vanwall, que tinha como principal piloto o também britânico Stirling Moss.

Hawthorn até lidava com galhofa aquele cenário. O britânico gostava de provocar Moss, o chamando de “carequinha”, e zoava o comportamento mais racional do rival. Além disso, a parceria com Collins atingiu um novo patamar: ambos se comprometeram a dividir a premiação das corridas. O problema é que Musso ficou de fora e o italiano ficou bolado com aquilo.

Moss e Hawthorn, os grandes rivais de 1958 (F1 Corradi)

O começo do campeonato não foi tão forte, mas Hawthorn foi somando pontos dentro daquilo que era possível. A partir do GP da Bélgica, o inglês passou a ser mais regular e ampliou a soma de pontos. Em Reims, o britânico venceu pela terceira (e última vez) na carreira, sendo a segunda nesta pista.

Além disso, o inglês apresentou um nobre ato no fim da prova: nas voltas finais, o ferrarista se aproximou de Juan Manuel Fangio para aplicar uma volta no pentacampeão (logo na última corrida de F1 do argentino), mas Mike não fez a ultrapassagem pelo respeito em relação a toda a história e carreira que Fangio havia construído na pista.

A prova também foi marcada pela morte de Luigi Musso, após um acidente. Apesar disso, Hawthorn e Collins não demonstraram pesar, pelo contrário, festejaram a vitória e a premiação em dinheiro. A viúva do italiano, Fiamma, não perdoou a dupla britânica.

Entretanto, a sombra da tragédia também rondava a dupla inglesa. Menos de um mês depois, no GP da Alemanha no lendário circuito de Nurburgring-Nordschleiffe, foi a vez de Collins se acidentar violentamente e sucumbir aos ferimentos. A perda do grande amigo nas pistas foi um grande golpe na vida de Hawthorn, que ficou amargurado com o mundo da velocidade. Assim, Mike anunciava que se aposentaria ao fim da temporada.

Mas antes, tinha que vencer o campeonato. Com Moss e a Vanwall em grande forma, seria um duelo complicado com o ferrarista pelo título mundial. Faltando três corridas para o fim do campeonato, Hawthorn tinha seis pontos a mais, mas tinha menos vitórias e ainda podia ter o descarte dos cinco piores resultados, sendo que teria um descarte maior de pontos em relação ao rival.

No circuito citadino de Boavista, em Portugal, aconteceu um dos maiores gestos de nobreza da história da F1 e um momento decisivo daquele campeonato: Moss venceria a etapa com facilidade. Hawthorn vinha em segundo, mas escapou e saiu da pista. O ferrarista fez uma manobra para retornar à pista pela contramão e usando o declive para o bólido pegar no tranco.

Incrivelmente, Moss, desafeto do compatriota, passou a incentivá-lo a terminar a prova, até o carro vermelho cruzar a meta final. A direção de prova considerou a manobra de Hawthorn ilegal e pensaram em aplicar-lhe a desclassificação. Contudo, Moss entrava em ação para, pasmem, protestar contra a decisão! No fim, os comissários voltaram atrás e mantiveram o segundo posto para o ferrarista.

No Marrocos, a regularidade foi recompensada pelo caneco (F1 Corradi)

Hawthorn manteve a constância nas duas provas finais, com mais dois segundos lugares. Com o abandono de Moss em Monza, pouco adiantou a vitória do piloto da Vanwall na etapa final, no GP do Marrocos (em Ain-Diab), bem como os descartes de pontos do ferrarista. Mike Hawthorn teve 42 pontos válidos ante 41 de Moss, e assim tornou-se o primeiro piloto da Terra da Rainha a vencer um campeonato mundial de pilotos.

Com o título em mãos, Hawthorn cumpriu a promessa após a morte de Peter Collins e se retirou das pistas. Mike também tinha problemas renais sérios e não se sabia quanto tempo de vida ainda lhe restavam, mas os rumos para a carreira já estavam tomados, afinal ainda tinha a empresa do pai (falecido em 1954) que seria retomada por ele, além de já se preparar para casar com Jean Howarth, deixando de lado o estilo mulherengo de outrora.

Porém os planos do destino eram outros. Em 22 de janeiro de 1959, Hawthorn andava pela estrada em um Jaguar MK1 modificado quando foi ultrapassado pela Mercedes 300 SL, guiado pelo construtor Rob Walker. Mike como lema não ser superado por carros alemães (resquício dos tempos da rivalidade com a marca da Estugarda), então pisou fundo no seu possante para devolver a manobra.

Em alta velocidade e com o tempo bastante instável, era uma situação de risco elevado. Nisso, o piloto perdeu o controle de seu veículo e colidiu com uma valeta. Com uma fratura no crânio, Mike Hawthorn falecia aos 29 anos. Apesar do perfil controverso, a sua morte abalou profundamente o público britânico e milhares de pessoas foram ao seu funeral na cidade de Farnham, onde Mike residia.

Dentre as homenagens recebidas, a mais lembrada nos dias atuais é o Hawthorn Memorial Trophy, que premia o melhor piloto britânico ou da Commenwealth da temporada da F1. Nigel Mansell e Lewis Hamilton são os maiores vencedores, com sete troféus respectivamente, até o ano de 2017. Uma lembrança digna a quem foi o primeiro a chegar ao topo na categoria máxima do automobilismo.

Fonte: Stats F1, Continental Circus e F1 Corradi

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