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Elio de Angelis: o pianista das pistas

Elio de Angelis: o pianista das pistas – Dia 359 dos 365 dias mais importantes da história do automobilismo

A Fórmula 1 é um esporte intimamente ligado às classes sociais mais elevadas, afinal o dinheiro envolvido em torno da categoria e com os investimentos elevados, o ambiente da categoria geralmente terá representantes mais ativos da aristocracia dos países envolvidos com o certame. No entanto, os pilotos, esses cidadãos lunáticos, não são de pensar nos assuntos e nos hábitos dos integrantes da high society, pelo menos durante a carreira nas pistas.

No entanto, houve muitos pilotos que mantinham uma ligação com a sofisticação e a etiqueta dos aristocratas, pelo menos nos tempos iniciais do automobilismo e nos primeiros anos da F1. Dentro da categoria máxima do automobilismo, houve quem quisesse aproveitar a vida, mas também levava muito a sério o negócio de correr de carros. O último representante deste perfil e um dos nomes mais marcantes é, sem dúvida, Elio de Angelis.

Nascido em Roma, no dia 26 de março de 1958, Elio nasceu em uma ascendente família que se tornou bem-sucedida na área de construção civil. Com uma educação de primeira, o garoto desenvolveu gosto e talento pelo piano. Porém, o sangue do esporte a motor estava em suas veias, pois seu pai, Giulio, teve carreira nos Powerboats. Logo, o jovem De Angelis demostrava que as mesmas mãos que dedilhavam os teclados brancos e pretos, também serviam para segurar um volante com habilidade.

Assim, Elio se aventurou pelo kart a partir dos 14 anos, sendo um dos grandes nomes da Itália na categoria. Aos 17, foi vice-campeão mundial e aos 18, vencedor do certame europeu. A partir de 1977, o rapaz estreava nos monopostos, na Fórmula 3 Italiana, para ser campeão logo de cara, demonstrando talento e habilidade.

No ano seguinte, o italiano já estava na Fórmula 2, iniciando a jornada pela Scuderia Everest, cujo dono era Giancarlo Minardi (o mesmo que viria a formar a tradicional escuderia de F1). Na divisão de acesso, Elio sofreu com problemas ao longo do campeonato.

Apesar das dificuldades, De Angelis demonstrava seu talento quando podia. De volta à F3 para uma corrida nas ruas de Mônaco, em preliminar do GP da Fórmula 1, o italiano venceu e convenceu o circo de que era um jovem talento. Ainda em 1978, Elio mudou-se para a ICI Chevron, onde conseguiu um terceiro lugar em Misano. No fim do ano, a grande chance da carreira, com um teste pela equipe Shadow.

Alguns pequenos milagres na decadente Shadow (Contos da F1)

Com os testes bem-sucedidos, Elio de Angelis, com quase 21 anos, faria sua estreia na categoria máxima do automobilismo em 1979. Apesar da origem bem abonada, enganava-se quem achava que a vaga era adquirida apenas pela questão financeira (até porque a Shadow vivia um momento delicado). Claro que o pai ajudou um pouco no orçamento, mas o garoto mostraria que tinha potencial para estar na Fórmula 1.

Na primeira corrida, na Argentina, Elio conseguiu um honroso sétimo lugar. O italiano teve desempenho bem regular, embora não pudesse brigar por pontos devido à falta de competitividade do carro da Shadow, o que levou a não-qualificação para o GP de Mônaco. No entanto, a sorte sorriu na última corrida do campeonato.

No GP dos Estados Unidos Leste, em Watkins Glen, Elio mostrou combatividade e contou com os azares dos rivais para subir no grid conforme a corrida avançava. No fim, glorioso quarto lugar deu-lhe os primeiros pontos da carreira e os últimos da Shadow.

A atuação na etapa estadunidense foi o suficiente para chamar a atenção de ninguém menos que Colin Chapman. O dono da tradicional Lotus buscava um sucessor para Carlos Reutemann após uma temporada complicada e apostou as suas fichas no novato italiano, que demonstrava um talento promissor.

Ouça os acordes da Marcha Imperial. Não, espera… (Projeto Motor)

Elio iria correr pelo segundo carro escuro na carreira. Apesar da Lotus não ter mais as cores da John Player Special em 1980 e sim da petrolífera Essex, os tons de preto dos bólidos, aliado à sua personalidade lhe deram o apelido de “Príncipe Negro”. O perfil intimidador também casou com o capacete fabricado pela Simpson-Bandit, cujo design lembrava os elmos usados pelos Stormtroopers dos filmes de Star Wars. Seria De Angelis um cavaleiro do lado negro da força?

Bom, o começo da sua trajetória na Lotus pareceu bem róseo, com um segundo lugar no GP do Brasil de 1980, em Interlagos (o último no antigo traçado do autódromo paulistano). Assim, tornou-se, até então, o mais jovem piloto a subir ao pódio na Fórmula 1, com 21 anos e 307 dias. Atualmente, o italiano é o nono no ranking (suplantado por Ralf Schumacher, Robert Kubica, Fernando Alonso, Kevin Magnussen, Daniil Kvyat, Sebastian Vettel, Lance Stroll e Max Verstappen)

No entanto, o restante da temporada foi de martírio para a Lotus, com um festival de quebras e abandonos. O experiente Andretti não conseguia sequer pontuar. Elio ainda conseguiu bons resultados na reta final da temporada, com um sexto lugar na Áustria, um quarto no GP da Itália (o único que não foi disputado em Monza, mas sim em Ímola) e outro quarto lugar em Glen. O italiano fechou a temporada em sétimo, com 13 pontos. Já o campeão de 1978 só fez um mísero tento no GP dos Estados Unidos Leste e deixou a escuderia ao fim da temporada.

Tempos complicados para a Lotus (Rodrigo Mattar)

De Angelis foi promovido ao cargo de primeiro piloto logo no início da sua terceira temporada. Entretanto, a Lotus continuava padecendo de problemas financeiros e técnicos. Nem o italiano, tampouco o novato inglês Nigel Mansell, podiam fazer milagres com os problemáticos bólidos. Para piorar, a Essex deixou de patrocinar a escuderia após muitas divergências. Então, Chapman conseguiu um acordo com a Imperial Tobacco Group e voltou a estampar a marca John Player Special.

A temporada foi cheia de percalços. A Lotus tentou lançar o modelo 88, com dois chassis acoplados, mas a FISA vetou o modelo. Colin Chapman chegou a mandar uma versão B (modelo 87) para participar do GP de Mônaco, mas a entidade organizadora da categoria barrou a engenhosidade. Apesar dos problemas, o italiano ainda conseguiu fazer uma temporada razoável, somando 14 pontos e terminando em oitavo na temporada de 1981.

A temporada de 1982 foi marcada por eventos bem intensos e que mexeram bastante na estrutura da categoria. Logo na primeira etapa, na África do Sul, os pilotos organizaram uma greve contra as novas regras da FISA e da FOCA. Elio foi um dos destaques dos movimentos dos pilotos, especialmente durante o período em que os pilotos ficaram confinados no Hotel Sunnyside, quando o italiano mostrou os seus dotes no piano e fez uma breve apresentação naquela agitada noite.

De volta às pistas, a Lotus ainda seguia longe de viver os bons momentos, com dificuldades de fazer um chassi eficiente, além de permanecer com os motores Ford Cosworth aspirados ante os motores turbo mais potentes (embora menos confiáveis). De Angelis provou que a sua regularidade e o trato com o carro ainda tinha serventia e aproveitava as oportunidades quando dava.

No GP da Áustria, em Österreichring, o italiano se aproveitou dos problemas dos rivais, especialmente do líder Alain Prost, da Renault, para tomar a ponta a quatro voltas do final. Mas o piloto da Lotus teve que suportar as pressões da Williams de Keke Rosberg. Com um show na defesa de posição e uma chegada apertada (apenas cinco centésimos de segundo), Elio de Angelis vencia pela primeira vez na Fórmula 1.

Foi por um triz, mas a vitória veio enfim (Almanaque da F1)

O italiano ainda pontuou mais seis vezes ao longo do ano e terminou o certame em nono com 23 pontos, deixando para trás a dupla da Brabham, incluindo o campeão do ano anterior, Nelson Piquet. A Lotus tinha ambições maiores para 1983, agora que usaria os turbos da Renault, porém, a misteriosa morte de Chapman em dezembro de 1982 abalou as estruturas da escuderia inglesa.

A temporada de 1983 foi um verdadeiro martírio para De Angelis, pois mesmo com os motores Renault turbo, a escuderia britânica padecia com os pneus Pirelli naquele ano. Apesar da surpreendente pole position no GP da Europa, em Brands Hatch (o primeiro da carreira), o campeonato foi um festival de abandonos e de desempenhos nada competitivos. O italiano somou apenas dois míseros pontos, com um quinto lugar em Monza. Além disso, acabou atrás do companheiro de equipe pela primeira vez na carreira, pois Mansell somou 10 tentos naquele certame.

Já em 1984, a Lotus voltou a ser calçada pelos pneus Goodyear e, com o perdão do trocadilho, finalmente teve um bom ano. Elio abocanhou uma pole logo na primeira prova do ano, em Jacarepaguá, mas não teve condições de brigar por vitórias. Ainda assim, conseguiu pontuar com constância, tendo quatro pódios (segundo em Detroit e terceiros no Brasil, em Ímola e em Dallas).

Enfim, uma temporada digna! (Rodrigo Mattar)

Apesar de não brigar pelo título com Niki Lauda e Alain Prost, já que a dupla da McLaren teve um conjunto muito superior e dominou o campeonato completamente, De Angelis fez o seu trabalho direito e conseguiu o terceiro lugar na tabela de classificação, com 34 pontos. Elio acabou sendo o melhor do restante do pelotão.

A Lotus tinha fortes ambições para 1985, com um bom conjunto do chassi 97T e a força do turbo da Renault para disputar o campeonato de forma mais competitiva. De Angelis seguia como o piloto mais experiente para nortear a equipe, mas a direção da escuderia queria um algo a mais. O errático Mansell deixou o time e mudou-se para a Williams. No seu lugar vinha um jovem brasileiro, visto por todo grid como a futura estrela da Fórmula 1. Um certo Ayrton Senna.

De Angelis seguiu sua toada de ser um piloto mais regular e caminhar de forma mais harmônica e equilibrada. Já Senna buscava o limite o tempo inteiro e, constantemente, era mais rápido que o companheiro nas classificações. No entanto, o italiano conseguia chegar ao fim das etapas mais inteiro.

Uma prova disso foi o GP de San Marino, em Ímola. Senna fez a pole e liderou quase a maior parte da prova. No entanto, o brasileiro parou com pane seca. Além de Ayrton, outros pilotos também foram acometidos do mesmo problema e ficaram pelo caminho, em um dos finais mais insanos da história.

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Prost cruzou a linha de chegada em primeiro, porém, o seu carro estava 1,5 kg abaixo do exigido pelo regulamento e, assim, o francês foi desclassificado. De Angelis conseguiu levar seu Lotus ao fim, herdando a vitória. Este foi o seu segundo e último triunfo na Fórmula 1.

Elio ainda conseguiu uma pole no Canadá e dois pódios no Brasil e em Mônaco. No entanto, o italiano passou a ser preterido dentro da própria equipe, pois Senna recebia mais atenções, mesmo com a sua pilotagem agressiva e, por vezes, inconsequente. De Angelis até quase chegou a ir às vias de fato com o companheiro de equipe na África do Sul pela postura do novato.

Relação complicada com Senna (Globoesporte.com)

No fim do ano, apesar de mais constante, De Angelis terminou o campeonato em quinto, imediatamente atrás de Senna (somou 33 pontos, contra 38 do brasileiro). Amargurado com o descaso da equipe pela qual correu durante seis anos, Elio deixou a Lotus e rumou para a Brabham, que buscava se reencontrar depois da saída de Piquet, também ao final de 1985.

A escuderia de Milton Keynes teve como chassi o ousado BT55, com o motor BMW e com os sempre problemáticos pneus Pirelli. Tanto De Angelis como Riccardo Patrese sofreram com o desenvolvimento do novo bólido.

Uma máquina complicada (Almanaque da F1)

Elio terminou em oitavo na abertura do campeonato de 1986 em Interlagos e abandonou as três etapas seguintes (Espanha, San Marino e Mônaco). O italiano estava insatisfeito com o desempenho do carro, dada a aerodinâmica agressiva e a dificuldade em adaptar o motor BMW de forma eficaz na potência e na sua construção.

Assim, o italiano partiu para testar o bólido em testes coletivos no circuito de Paul Ricard, na França. No dia 14 de maio de 1986, Elio tentava afinar aquele bólido complicado, mas uma quebra na asa traseira fez com que este fosse o seu último acorde.

De acordo com dois mecânicos da Benetton que testemunharam o acidente, a asa traseira se quebrou quando o bólido passou pelas zebras da curva Verrière e capotou várias vezes até cair atrás do guard rail em um barranco. Para piorar, o carro começou a pegar fogo e o piloto, inconsciente, não podia sair pelos próprios meios.

Como era um teste particular e não havia fiscais ou bombeiros para atender o socorro. Alguns pilotos, como Alan Jones, Alain Prost e Nigel Mansell tentaram socorrê-lo, mas não conseguiram devido às chamas. O socorro para conter o incêndio e para a chegada da equipe médica demorou demais. Foram mais de 50 minutos para Elio ser retirado do carro e receber os primeiros socorros.

A carcaça do carro onde Elio de Angelis encerrava sua história (Volta Rápida)

O italiano foi levado para o Hospital La Timone, em Marselha, com a clavícula quebrada e queimaduras nas costas, além de severos danos cerebrais, em decorrência da desaceleração e da falta de oxigênio. Elio ficou internado por 29 horas, mas na noite do dia 15 de maio de 1986, não resistiu e veio a falecer.

A tragédia teve efeitos que afetaram drasticamente a F1 no decorrer dos anos: os motores turbo tiveram sua capacidade reduzida na temporada seguinte e vieram a ser banidos ao fim de 1988; O circuito de Paul Ricard teve sua extensão reduzida, o que inviabilizou definitivamente o uso integral da reta Mistral; a FISA (atual FIA) também instituiu regras mais rigorosas quanto ao nível de segurança em testes da categoria.

Além desses legados, a morte de Elio de Angelis foi o fim de um símbolo da figura dos bon-vivants da pista. Daqueles que desfrutavam dos prazeres da vida, mas que não negava a disputa da pista. O italiano trouxe um toque de sofisticação do qual a Fórmula 1 não tem mais dentro da pista. A lealdade e a esportividade não foram mais as mesmas. O último gentleman se foi, mas o legado do piloto ficou como um grande clássico da música erudita.

Fontes: Stats F1, Almanaque da F1, Contos da F1, Fred Sabino (Globoesporte.com), Memória F1, Projeto Motor, Rodrigo Mattar e Volta Rápida

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