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A equipe de costureiros que fez história

29 de Outubro, e a equipe de costureiros que fez história - Dia 161 dos 365 dias dos mais importantes da história do automobilismo

Luciano, Giuliana, Gilberto e Carlo eram quatro irmãos de Treviso, no norte da Itália. Eles nasceram nos anos 30 e 40 do século passado, filhos de um mecânico de bicicletas. Um dia, Luciano, o mais velho, teve uma ideia: as pessoas gostariam de mais cores em suas roupas. Vendeu a bicicleta de um dos irmãos, comprou uma máquina de costura e começou a fabricar suéteres coloridos, oferecendo-os às lojas de roupa da região do Vêneto. Deu certo, e o primogênito, à maneira italiana, chamou os irmãos para fazer parte da aventura. Resolveram batizar a empresa com o nome da família. Nascia a Benetton.

Um pesadelo para um daltônico como eu. Fonte: Benetton

Corta para a década de 80, os anos dourados da Fórmula 1. O esporte estava na moda, e de moda e marketing os carcamanos da Benetton entendiam. Resolveram patrocinar uma equipe da maior categoria do automobilismo para fazer propaganda. A escolhida foi a Tyrrel, em 1983. No ano seguinte, migraram para a conterrânea Alfa Romeo, e em 1985 levaram o dinheiro do patrocínio para a Toleman. Nestes três anos, o envolvimento da família com o esporte aumentou gradativamente, e no final de 85 eles tomaram a decisão: mais do que expor a marca, os Benetton queriam fazer parte do circo da F1. E a própria Toleman, em dificuldades, foi a porta de entrada.

Nascia então a Benetton Formula, equipe registrada na mesma cidade inglesa de Witney que sua antecessora.

llll Os anos iniciais

O tino comercial dos Benetton era forte, e eles sabiam que precisariam ser bem assessorados para que a aventura em quatro rodas vingasse. Contrataram o autraliano Peter Collins – que já tinha passado pela Lotus de Chapman e estava na Williams – como chefe de equipe, a promessa Gerhard Berger que estava na Arrows e fez um bom final de temporada no ano anterior, e mantiveram o italiano Teo Fabi como segundo piloto. Também foram pachecos na escolha do fornecedor de pneus, ficando com a Pirelli, porém o motor era o germaníssimo BMW Turbo. Até que não fizeram feio neste ano de estreia: apesar de Fabi não terminar 12 das 16 etapas, Berger conseguiu um pódio inesperado no GP de San Marino, o primeiro seu e da equipe, já na terceira prova do ano. E a escolha pela Pirelli se pagou mais para o fim da temporada, quando os figurões Mansell, Prost, Senna e Piquet, calçados de Goodyear, não foram páreo no calor mexicano, deixando o caminho livre para a vitória inaugural da equipe, que terminou o campeonato de construtores em 6º lugar dentre as 14 competidoras, deixando para trás Tyrrell, Brabham e Arrows, entre outras. Aliás, se você ainda não conhece a série sobre a magistral temporada de 1986 do Podcast F1 Brasil, é melhor começar por aqui.

Em 87, com todo o sucesso do austríaco, não foi possível segurar Berger, então Collins trouxe o belga Thierry Boutsen para ocupar o assento vago. Também atravessaram o Atlântico para mudar o motor, sendo impulsionados naquele ano por um Ford Cosworth V6 turbo. Mesmo sem vitórias, conseguiram um terceiro lugar com cada piloto e mais regularidade entre os pontuadores, melhorando uma posição e terminando em 5º lugar no campeonato, com 28 pontos.

Gerhard Berger em sua Benetton B186 Fonte: @F1

Antecipando-se à proibição dos turbos, em 1988 a Benetton veio com um motor aspirado V8 da Ford, e trocou de italiano no volante: saiu Fabi para a entrada de Alessandro Nannini. Sete pódios e vários outras colocações de valor deixaram a equipe em terceiro lugar no campeonato, com 39 pontos, atrás apenas da vice Ferrari e do extraterrestre MP4/4 da McLaren. Boutsen ainda conseguiu ficar em quarto no campeonato, três pontos à frente do ferrarista Alboreto.

llll O caminho para o topo

Flavio Briatore e Luciano Benetton. Fonte: Grazia.it

Com a evolução visível, Luciano Benetton queria alguém de confiança na equipe, e chamou o seu braço direito nas confecções, executivo para a América do Norte, Flavio Briatore. Apesar de nunca ter se envolvido com automobilismo antes, Briatore chegou com ares de capo di tutti capi: mandou embora Peter Collins e, depois de 6 corridas, defenestrou também o piloto Johnny Herbert, contratado por Collins para substituir Boutsen. Em seu lugar entrou o Emanuele Pirro, para fechar a tarantela com Naninni. Mesmo com toda esta bagunça, o B189 equipado com um Ford Cosworth V8 ainda abocanhou o quarto lugar nos construtores. Naninni ainda venceu aquela corrida do Japão neste ano, conforme comentamos neste espaço semana passada.

Com a vitória, Naninni continua na equipe em 1990, mas a “vitória de Pirro” (googlem) de Briatore convenceu o chefão a dispensar Emanuele. Para seu lugar, querendo consertar o molho da macarronada, chegou o tricampeão mundial Nelson Piquet. Nelsão veio da já decadente Lotus com um contrato do tipo “quanto mais pontos, mais grana”, o que acabou dando muito certo para piloto e equipe. A regularidade do brasileiro e alguns pódios de Naninni foram suficientes para a Benetton juntar pontos e voltar a ser a terceira força do campeonato. Confirmando a regra universal que diz que todas as vezes em que Senna e Prost batem no Japão uma Benetton vence, Piquet levou a taça para casa e ainda repetiu a façanha na Austrália, o que lhe deu o terceiro lugar no campeonato, à frente de Berger e Mansell. Nestas duas corridas Nannini foi substituído pelo brasileiro Roberto Pupo Moreno, após sofrer um grave acidente de helicóptero que obrigou aos médicos reimplantarem seu braço decepado.

Nelsão no B190. Fonte: F1Fanatic

Luciano Benetton resolveu então dar mais um upgrade no time, e em 1991 vendeu 30% da equipe para Tom Walkinshaw, da TWR, time que se dava bem nas categorias de turismo e que venceu Le Mans junto com a Jaguar. O escocês assume e cargo de diretor técnico e traz consigo Ross Brawn para ajudá-lo. Como o B191 deu início à época dos carros-tubarão de John Barnard, já se sabia que a tarefa dos pilotos brasileiros seria desenvolver o projeto durante o ano, abdicando-se da disputa com as grandes equipes. Ainda assim a Benetton garantiu um estável 4º lugar na tábua de classificação. Piquet abocanhou três pódios além da vitória no Canadá (aquela onde Mansell deixou o motor morrer na última volta) e finalizou o ano em sexto lugar em sua derradeira temporada na Fórmula 1. Moreno vinha com resultados inferiores até que no GP da Itália Briatore resolve desliga-lo pois tinha conseguido roubar a jovem promessa da Jordan, um alemão chamado Michael Schumacher. Isto gerou certa reação em terras brazucas, incluindo o famoso vaticínio de Galvão Bueno sobre o futuro do chucrute queixudo.

llll Os Anos Schumacher

Uma parceria de sucesso. Fonte: moisesalbarracin

Para 1992 Schumacher permaneceria na equipe e no lugar do aposentado Piquet, para contrabalançar a juventude da promessa, foi contratado o veterano britânico Martin Brundle. A fábrica da equipe saiu de Witney e foi para a também inglesa Enstone. Agora com pneus Goodyear, o B192 Ford V8 foi extremamente constante, com 15 pódios no total, incluindo a bela vitória de Schumacher na Bélgica, sua primeira. A Benetton terminou o campeonato numa terceira colocação bem próxima da vice-campeã McLaren, e Schumacher foi o terceiro também no campeonato de pilotos, à frente de Senna e Berger, perdendo apenas para Mansell e Patrese que pilotavam o também espacial FW14B.

Patrese que em 1993 viria se juntar a Michael no line-up da equipe e que, da mesma forma que Piquet, se aposentadoria no final deste ano. Mais uma temporada estável, com uma vitória de Schumacher em Portugal e outra terceira colocação da equipe no campeonato de construtores.

Schumacher e o controverso B194. Fonte: Deviantart

Chegamos a 1994, um dos anos mais vitoriosos e controversos da equipe. Com a proibição de aparatos eletrônicos pela FIA, a Williams caiu de produção, e a Benetton se aproveitou disso desde o início, com Schumacher vencendo os dois primeiros GPs do ano. A equipe e Briatore foram acusados de muitas maracutaias: usar controle de tração (o que realmente tinham, mas dentro das regras, utilizando não sensores eletrônicos mas um controle mecânico sobre as taxas de aceleração do motor conhecido como momento de inércia – um bom artigo em inglês sobre o assunto foi publicado no Linkedin do engenheiro holandês Willem Toet, que fazia parte da equipe à época e pode ser lido neste link), controle de largada (também comprovou-se estar instalado no carro, mas não foi possível provar sua efetiva utilização) e alterações na bomba de combustível (realmente a fabricante francesa Intertechnique retirou o filtro de reabastecimento do equipamento da Benetton e da Ligier, após emitir um laudo técnico dizendo que seu combustível tinha alto grau de pureza e não precisava ser filtrado. Esta carta foi mostrada para Charlie Whiting, diretor de provas da FIA, que emitiu uma aprovação verbal para as equipes). No final o combustível não era tão limpinho assim, pois foi provavelmente alguma impureza que travou o mecanismo de fechamento do tanque e banhou o companheiro de Schumacher e pai de promessa a gênio Jos Verstappen com 60 litros de gasolina flamejante durante o GP da Alemanha.

Sem seu maior rival, que havia sofrido o até hoje chorado acidente fatal em Ímola, Schumacher só teve disputa no campeonato por ter sido suspenso em duas provas e desclassificado em outras duas. Ainda assim o alemão conquista seu primeiro título mundial de pilotos na batida com Damon Hill no GP da Austrália. Mas ainda não era a vez da Benetton, que correu com quatro pilotos na temporada (enquanto J.J. Lehto substitui o alemão durante as suspensões, Johnny Herbert substituiu Verstappen após o holandês se acidentar no GP da Europa em Jerez. A equipe teve que se contentar com o vice-campeonato, 15 pontos atrás da Williams.

A redenção viria em 1995. Com Schumacher e Herbert, e impulsionada por um motor Renault 3.0 V10, a Benetton finalmente se tornou a melhor entre as equipes de um campeonato. Não foi exatamente fácil, pois a Williams ainda conseguiu brigar durante todo o ano, e a confirmação matemática do título veio apenas na penúltima prova da temporada, no GP do Japão realizado no dia 29 de outubro de 1995 (e neste momento, após mais de 1.600 palavras, o leitor persistente finalmente entendeu o motivo desta história estar sendo contada no dia de hoje). Schummy defende o título e torna-se bicampeão mundial, recebe uma oferta irrecusável da Ferrari, agradece e vai embora para Maranello, levando consigo Ross Brown, Rory Byrne e outras 11 pessoas diretamente responsáveis pelo sucesso da Benetton.

llll A Ressaca e o Declínio

Gosto de me fixar nos bons momentos, e além disso a data comemorativa já foi alcançada, então nos apressemos para contar o final desta história: ainda com moral no paddock, a equipe substitui Schumacher e Herbert por dois nomes bastante interessantes: Gerhard Berger e Jean Alesi, montando uma das duplas mais gente boa e engraçadas da história do esporte. Eles se mantiveram por lá nos anos de 1996 e 1997, com uma 3ª colocação e a melhor posição de campeonato da história de Alesi (quarto lugar) em 96 e duas poles e as vitórias derradeiras tanto de Berger quanto da equipe na Alemanha no ano seguinte, repetindo o terceiro posto no campeonato de construtores. Ainda em 1996 a equipe trocou sua licença britânica por uma italiana, pois a família queria ter um time do seu próprio país. Embora isto não tenha sido inédito (a Shadow trocou a cidadania norte-americana por uma inglesa em 1976), resultou na curiosidade de ser a Benetton a única equipe que obteve vitórias sob duas nacionalidades diferentes.

Em 1998 o filho mais novo de Luciano Bentton, Rocco, assume a direção executiva do time e demite Briatore; o novo chefe de equipe David Richards (que só ficaria no cargo naquele ano) contrata duas promessas, uma austríaca – Alexander Wurz – e outra italiana, o injustiçado Giancarlo Fisichella. Naquele ano o Físico conseguiu dois pódios no braço e o time terminou na 5ª colocação. Em 1999, mais um segundo lugar do italiano e a sexta posição no campeonato, exatamente seu lugar no ano de estreia, fechando o ciclo da equipe.

Ainda veríamos o nome Benetton no grid por mais dois anos, porém isto foi uma estratégia da Renault, que havia comprado a equipe no início dos anos 2000 e só começou a correr com sua própria marca em 2002.

Resumindo a história em números, da ideia dos costureiros italianos até a renomeação final pelos franceses, passando pelas incontáveis cores em seus belos carros, a Benetton participou de 260 grandes prêmios, vencendo 27 deles e conquistando 15 poles, 102 pódios, 36 voltas rápidas, 851 pontos, dois títulos de pilotos e um título de construtores, há exatamente 22 anos.

llll FORA DAS PISTAS

Se você está lendo isto aqui fora de uma folha de papel, é porque em 29/10/1969 alguns nerds conseguiram fazer um computador conversar com outro através de um link pela primeira vez na história. Eles estavam montando a ARPANET, que cresceu, virou civil e se tornou a tal da internet.

Também poderia ter escrito a biografia de Lance Stroll, que hoje completa 19 anos. Certamente vocês teriam um texto menor para ler.

Também completa anos hoje o grande Richard Dreyfuss, que fez Curt Henderson em American Graffitti, ganhou o Oscar de melhor ator por A Garota do Adeus em 1977, foi o Gordie adulto e narrador de todo Conta Comigo e vai ser sempre lembrado como Matt Hooper, de Tubarão.

E, nesta data em 2008, os caras do AC/DC chegaram novamente ao topo das paradas britânicas com seu 15º álbum de estúdio, Black Ice. A expressão se refere a um a fina camada de gelo que se forma sobre o asfalto de alguns países, sendo extremamente perigosa para os motoristas. Fiquemos pois com a faixa-título do álbum, um petardo de gelo negro para o domingão.

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Carlos Eduardo Valesi

Velho demais para ter a pretensão de ser levado a sério, Valesi segue a Fórmula 1 desde 1987, mas sabe que isso não significa p* nenhuma pois desde meados da década de 90 vê as corridas acompanhado pelo seu amigo Jack Daniels. Ferrarista fanático, jura (embora não acredite) que isto não influencia na sua opinião de que Schumacher foi o melhor de todos, o que obviamente já o colocou em confusão. Encontrado facilmente no Setor A de Interlagos e na sua conta no Tweeter @cevalesi, mas não vai aceitar sua solicitação nas outras redes sociais porque também não é assim tão fácil. Paga no máximo 40 mangos numa foto do Button cometendo um crime.

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